Oswaldo Boreli ficou meses sem geladeira; a Brastemp só resolveu seu problema após vídeo no Facebook
Foto: JB NETO / Agência Estado
Há pouco mais de um mês, a catarinense Daniely Argenton, de Concórdia, criou um site, perfis nas redes sociais Twitter, Facebook e Orkut e um canal no Youtube para reclamar seus direitos de consumidora.
A história de Daniely é o mais novo exemplo de como as redes sociais estão reequilibrando as forças na relação entre empresas e consumidores. E especialistas afirmam que isto é só começo.
O volume de queixas feitas através destes novos canais tende a ficar cada vez mais intenso. Se o boca a boca continua sendo a melhor propaganda, o que dizer de uma mensagem negativa correndo em um site como o Orkut, com seus mais de 31 milhões de brasileiros cadastrados.
As empresas não têm saída: precisam sair do velho padrão "produz, anuncia, vende e acabou" e reinventar a forma com que se relacionam com os seus clientes.
Daniely afirma que o retorno da denúncia na internet extrapolou qualquer expectativa. O mesmo aconteceu com o procurador Oswaldo Borrelli, que só viu seu problema resolvido depois que o caso teve alta repercussão no universo das redes sociais.
Seria este um comportamento que se tornará cada vez mais comum daqui para a frente?
Frederick van Amstel, cofundador do Instituto Faber-Ludens de Design de Interação, afirma que o consumidor ganhou voz através das redes sociais. Isso significa que a comunicação das marcas com os clientes precisa deixar de ser unidirecional, como acontece nas mídias tradicionais, em que o interesse da empresa está resumido apenas na ação de se apresentar.
Nas mídias sociais, observa ele, o cliente também fala e as empresas devem perceber a oportunidade que há nisso e querer ouvi-los. Surgiria aí um novo tipo de negócio, um modelo em que o consumidor participa do produto final.
Amstel cita o exemplo da Dell, que, em 2007, criou o Idea Storm. No site do projeto, o cliente pode postar ideias a respeito de serviços e produtos. As sugestões são avaliadas pelos próprios internautas, e as mais votadas, desenvolvidas pela Dell. Em outro link, o cliente pode ver a sua proposta ser transformada em algo real.
— Com o poder que o consumidor adquiriu na rede, a velha tentativa das empresas de abafar o caso não funciona mais — resume ele.
Especialista em gestão de marcas (branding), Rodrigo Arrigoni, sócio-fundador da R18 Comunicação, ressalta que a internet está amplificando uma mudança de mercado iniciada nos EUA na década de 1990, quando o foco das empresas migrou do produto para o consumidor.
— Esse processo do cliente ganhar cada vez mais voz é supersaudável, porque o relacionamento da empresa com os clientes só vai amadurecer quando houver uma abertura maior para o diálogo.
Monitoramento do que é dito
Neste novo contexto, existem as reclamações legítimas, mas também consumidores oportunistas. Como o Brasil vive este processo agora, a recomendação é que as empresas escutem, acima de tudo, o que está sendo dito pelos consumidores nas redes sociais e busquem fornecer prazos reais para a solução dos problemas relatados.
Um estudo da Deloitte divulgado no ano passado apontou que 86% dos internautas brasileiros costumam usar redes sociais. Já existem companhias que monitoram o que está sendo dito - de bom ou de ruim - sobre uma marca neste mar de usuários.
Isso permite, por exemplo, identificar uma mensagem no Twitter de um cliente insatisfeito e entrar em contato com ele para tentar resolver o problema rapidamente.
Elizangela Grigoletti, gerente de Inteligência e Marketing da Miti Inteligência, que oferece o serviço, observa que o volume de reclamações na internet evolui muito mais rápido do que a capacidade das empresas em lidar com a situação.
Mas pelos últimos exemplos, é melhor elas aprenderem rápido.
Acordo em 30 dias após quatro anos
A catarinense Daniely Argenton, de Concórdia, no Meio-Oeste, investiu R$ 1 mil para fazer um site inusitado. O www.meucarrofalha.com.br nasceu no mês passado com o único objetivo de compartilhar a via-crúcis que se tornara o problema com o Mégane zero quilômetro que ela havia comprado em 2007.
Além de expor a sua insatisfação com a Renault, ela publicou links para o seu processo na página do Poder Judiciário de Santa Catarina e outros casos divulgados em sites de reclamação. Fez um menu com a explicação do caso, fotos do carro, vídeos, informativos e um fórum de discussão. A resposta tomou uma dimensão inesperada: até a última sexta-feira à noite, o site já havia recebido mais de 772 mil acessos.
Daniely também abriu contas em redes sociais para divulgá-lo. A intenção da advogada era a de tornar a história conhecida e, com isso, chamar a atenção da montadora. Até então, Daniely seguia com um processo na Justiça e tinha como trunfo uma perícia que comprovava a veracidade da reclamação - uma falha no motor que começou pouco depois da compra do veículo.
Para a catarinense, o retorno obtido após a ação na internet extrapolou qualquer expectativa inicial que ela poderia ter - os dois vídeos no Youtube foram vistos mais de 112 mil vezes. Hoje, mesmo depois do caso encerrado, ela passa entre duas a três horas por dia agradecendo mensagens de apoio e respondendo dúvidas de seus seguidores sobre direitos do consumidor.
Um vídeo que mudou a conversa
Em janeiro deste ano, o servidor público Oswaldo Borreli, de Santana do Paranaíba, na Grande São Paulo, levou a marca Brastemp aos trending topics (assuntos mais contados do dia) no ranking mundial do Twitter.
Ele, que até então tinha apenas 16 seguidores e nenhuma publicação na rede social, decidiu publicar um vídeo em que manifestava a sua insatisfação com a Brastemp. Na última sexta-feira, o perfil de Oswaldo no Twitter (@oborelli) contabilizava quase 3,6 mil seguidores.
Oswaldo comprou uma Brastemp frost free inox de 432 litros no início de 2008. Em outubro do ano passado, o aparelho apresentou problemas técnicos. O procurador autárquico recorreu à assistência autorizada da marca e afirma, no vídeo, publicado nas redes sociais, ter pago R$ 268 para resolver o problema, mas que o vazamento de gás da geladeira voltou a ocorrer.
Simultaneamente, o cliente fez diversas reclamações no SAC da empresa, e a resposta, segundo ele, era sempre a mesma: "Em 24 horas retornaremos a ligação com a solução". Mas a tal ligação nunca acontecia. Oswaldo resolveu procurar uma outra rede autorizada, que estipulou o valor de R$ 3 mil para trocar toda a parte da frente da geladeira e resolver o problema do vazamento de gás. O valor do conserto era maior do que aquele pago pelo consumidor para adquirir o eletrodoméstico.
Oswaldo insistiu e o atendimento da Brastemp, no dia 16 de dezembro de 2010, propôs um acordo: como a geladeira não estava mais no período de garantia, ele pagaria uma diferença, entregaria a geladeira velha e, em 20 dias, receberia a nova em casa. Mesmo alegando que o Natal estava próximo e que a família precisava da geladeira, Oswaldo não conseguiu encurtar o prazo. E o pior: a promessa de até 20 dias não foi cumprida.
Após ficar 90 dias sem uma geladeira em casa, o servidor público contou com a ajuda de um primo para agir através das redes sociais. Em um vídeo publicado no Youtube e no Facebook sob o título irônico de Não é uma Brastemp, ele solta o verbo:
— Fui ao Procon, agora vou à Justiça. Faço isso para mostrar o que a Brastemp faz com os seus clientes.
Ao final, o procurador pede apoio na divulgação do vídeo. O vídeo ultrapassou a marca de 743 mil visualizações. E o caso chamou a atenção da mídia nacional, a ponto do próprio diretor de serviços e qualidade da Whirlpool, a dona da marca, ligar para Oswaldo.
O perfil dele no Twitter, atualmente, concentra mensagens de outros usuários que reclamam de seus casos e recebem dicas do procurador.
Como fazer
Reclamar nas redes sociais exige responsabilidade. Maria Inês Dolci, do Pro Teste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), os especialistas Elizangela Grigoletti e Rodrigo Arrigoni dizem o que considerar antes de usar a internet.
• Prove que você está falando a verdade. Publique cópias de documentos, número do protocolo de atendimento no Procon, fotos e vídeos. As empresas só irão retornar os casos comprovados e amplamente divulgados.
• Não corra riscos: Não se refira à empresa de maneira pejorativa, não calunie.
• A internet não deve ser utilizada apenas como um canal de desabafo.
• Registre o caso em órgão de defesa do consumidor para que seja trabalhado em favor da coletividade, caso outros consumidores tenham tido o mesmo problema. Além de incitar, na empresa, o compromisso em nível coletivo.
• Ao divulgar seu problema nas redes sociais, você perde o controle da abrangência e da direção que o caso tomar. Daniely chegou a ser processada por danos morais pela Renault.
• Informe-se, inclusive pela internet, sobre a legitimidade da sua causa. Depois, busque a ética do relacionamento com a empresa através do diálogo e de resoluções práticas.
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